quarta-feira, fevereiro 15, 2006

a tal expedição...


é preciso conhecer...


Compra-se carbono!

O ambiente e o desenvolvimento económico não são incompatíveis.

Durante centenas de anos, contaram-se histórias assombrosas sobre uma pequena lagoa, localizada a mais de 1500 metros de altitude em plena serra da Estrela. Dizia-se que a Lagoa Escura tinha uma ligação ao mar, responsável pelo emergir de destroços de antigos navios naufragados e abrigava um velho monstro que atormentava e ameaçava os incautos pastores que se acercavam das suas margens.

Estas histórias incríveis alimentaram as preocupações das populações, fazendo lembrar a "obscura opinião" manifestada por altos responsáveis de algumas empresas públicas do sector energético, quando o economista Michael Porter justificou a necessidade de integrar o ambiente no centro de negócios das empresas e assim aumentar a competitividade. Esses responsáveis, defenderam, após a intervenção de Porter, realizada num seminário no final do passado mês em Lisboa, que a obrigatoriedade de cumprimento das normas ambientais teria de ser afrouxada, sob pena de muitas empresas não conseguirem acompanhar esta nova forma de estar na sociedade produzir sem poluir!

Foi precisamente esta atitude que catapultou o insustentável sector dos transportes para o pódio dos que mais contribuem para a emissão de gases responsáveis pelo efeito de estufa (GEE). Num Portugal que durante anos abandonou a sua ferrovia panorâmica, como a linha do Vouga, que não modernizou a linha do Oeste e que renega o metro do Mondego, os resultados não podem ser os melhores.

Na mesma semana que Porter clusterizava sobre a importância estratégica do ambiente no mundo empresarial, o documento que resulta da avaliação do cumprimento das metas de Quioto relativas ao GEE demonstrava que o sector dos transportes foi o que mais contribui para a emissão de GEE. Aumentou 105%, face aos valores de referência de 1990. Os transportes são os principais responsáveis pelo actual incumprimento português do Protocolo de Quioto. O desinvestimento a que todos assistimos nas ferrovias faz-se também sentir na cabotagem ou simplesmente nos transporte rodoviários públicos urbanos, que não conseguem responder às necessidades das populações pela grande e simples incompetência de não conseguirem cumprir os horários… e como tal desmotivar os utilizadores que têm obrigações rigorosas às quais têm de responder.

O não cumprimento de Quioto pode ter efeitos económicos desastrosos quando se pretende melhorar a saúde financeira e ambiental do país. Os cenários agora revistos apontam para que Portugal, em 2010, esteja a emitir a mais do que o permitido por Quioto, entre 5,4 a 7,3 megatoneladas de dióxido de carbono equivalente (CO2e). Na prática, se o país não conseguir adoptar medidas adicionais que favoreçam a redução de GEE e cumprir Quioto, terá de comprar créditos de carbono a países terceiros, que compensem a quantidade de CO2e emitida.

Num cenário onde o valor desses créditos é igual ou superior ao valor de 5 a 18 euros por tonelada (já atingido no mercado), a partir de 2008 vamos ter de reservar uma grande fatia do orçamento, só para comprar créditos de carbono e continuar a poluir… As medidas adicionais para os transportes, para o sector dos serviços e naturalmente para o sector energético, terão de ser urgentemente accionadas, em paralelo com um reforço do Fundo de Carbono que nos vai permitir adquirir créditos de carbono a preços mais baixos dos que teremos que comprar a partir de 2008.

Portugal exposto à tríade explosiva, constituída pela chuva que não enche as barragens, pelo petróleo que continua com elevados preços e pelas obrigatórias metas do protocolo de Quioto, se não considerar a vertente ambiental na estratégia ou gestão diária de um empresa ou de um organismo estatal, é um erro que se vai pagar muito caro.

A lenda da relação entre a Lagoa Escura e o mar foi apenas desfeita em 1881, quando se investiu numa expedição à serra da Estrela, como se os nossos exploradores fossem para o centro de África ou pantanal brasileiro. Nesta expedição, foi medida a profundidade da lagoa e demonstrada como se esperava a sua não ligação ao mar. Esperemos que alguns dos nossos administradores de empresas e organismos públicos não fiquem à espera da visita de algum expedicionário de Bruxelas portador de uma conta demasiado elevada para pagar, para então perceber que o ambiente e o desenvolvimento económico não são incompatíveis.


por António M. A. Martins biólogo / Jornal de Notícias

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